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terça-feira, 17 de maio de 2011

OS CONTRATOS ELETRÔNICOS COMO TÍTULOS EXECUTIVOS EXTRAJUDICIAIS

Por  Doutora Sara Capucho Tonon

No atual estágio do desenvolvimento tecnológico, que em poucas décadas emprestou uma fluidez às relações interpessoais antes não vista em séculos, ainda predomina a idéia de que documento é coisa.

O conceito clássico de documento como coisa encontrou ampla aceitação em virtude de que a única maneira conhecida de o homem representar, registrar e conservar um fato era sobre um suporte físico.

Com efeito, ao pensar, hoje, em documento, somos imediatamente remetidos à imagem de uma folha de papel escrita.

Contudo, antes da invenção do papel – cuja utilização e adoção, nos primórdios, encontraram, na Europa, sensível resistência – a expressão e a comunicação tomaram forma em pedra, argila, folhas de palmeira, ossos de animais, conchas, cascos, madeira, papiro e pergaminho.

O papel passou a ser empregado como meio preferencial pela facilidade que emprestava na troca de informações.

Não obstante, a necessidade de uma comunicação cada vez mais ágil e veloz, intensificada nos períodos das grandes guerras, levou o homem a desenvolver novas técnicas e tecnologias capazes de transportar mensagens e armazenar dados de forma segura. 

O telefone, o rádio, a televisão e, enfim, o computador, incrementaram as relações interpessoais, impingindo-lhe mudanças de ordem quantitativa e qualitativa, substituindo, em muitos aspectos, o papel.

Nesse contexto, o conceito de documento teve de passar por uma interpretação que assegurasse a sua razão de existir. 

O termo documento provém do latim docere, que significa ensinar, mostrar, demonstrar, indicar.

A etimologia da palavra nos aponta que a característica de um documento está em servir de base de conhecimento, possibilitando o registro de algo a ser futuramente observado; de mostrar, para o futuro, um fato ou pensamento presente.

Nessa linha, documento é o registro de um fato por obra da atividade humana.

Com a evolução tecnológica, tornou-se possível, por meio do computador, interligado ou não à rede mundial, o registro inalterável de dados e fatos.

Pode-se, portanto, afirmar que esse registro é um documento eletrônico.

O documento, assim, pode ser tanto físico, quando estiver representado em uma coisa, quanto pode ser eletrônico, quando não se prender a um meio físico determinado.

Tanto um documento físico pode se tornar eletrônico por meio da digitalização, quanto um documento eletrônico pode se materializar num impresso.

A impressão de um documento eletrônico nada mais é do que o processo inverso ao da digitalização de um documento físico. É possível sustentar que não há óbice, no atual ordenamento jurídico, ao reconhecimento do documento eletrônico como título executivo extrajudicial.

A norma do artigo 585 do Código de Processo Civil, prevê, em seu inciso II, ser título executivo extrajudicial o documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas.

Assim, o contrato que não corresponder a algum tipo legal específico, pode ensejar a execução nos moldes do art. 585, II, CPC, desde que contenha a assinatura do devedor e de duas testemunhas.

Não nos olvidemos que qualquer negócio jurídico, para ser válido, requer: I agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei (art. 104 do Código Civil).

Os conceitos clássicos informam-nos que contrato é negócio jurídico, consistente em acordo de duas ou mais vontades, destinado a criar, alterar ou extinguir direitos e deveres de conteúdo patrimonial.

Nessa esteira, existente o acordo livre de vontades com o fim de criar, modificar ou extinguir direitos e deveres de cunho patrimonial, celebrado por pessoas capazes, envolvendo objeto lícito, possível, determinado ou determinável, e que observe a forma legalmente prescrita ou não vedada, é possível afirmar que estão resguardados requisitos mínimos de validade de um negócio jurídico, em função do que todo contrato, entabulado nesses moldes, estaria apto a produzir efeitos.

O contrato eletrônico reúne condições para satisfazer todos os elementos acima delineados, mormente considerando que os atos jurídicos não dependem de forma especial senão quando a lei expressamente o exigir, e, estando assinado pelo devedor e por duas testemunhas, pode ensejar a execução forçada para satisfação dos direitos do credor (artigo 580, CPC).


Nesse ponto, merece destaque que não só a doutrina, como a quase unanimidade da jurisprudência, inclusive dos Tribunais Superiores, reconhecem que a cópia digitalizada do título executivo é suficiente para embasar uma execução.

Fazem-no com fundamento na norma do art. 365, VI, do Código de Processo Civil, que estabelece que fazem a mesma prova que os originais “as reproduções digitalizadas de qualquer documento, público ou particular, quando juntados aos autos pelos órgãos da Justiça e seus auxiliares, pelo Ministério Público e seus auxiliares, pelas procuradorias, pelas repartições públicas em geral e por advogados públicos ou privados, 3 ressalvada a alegação motivada e fundamentada de adulteração antes ou durante o processo de digitalização”.

O citado dispositivo foi introduzido pela Lei 11.419/06, que disciplinou a informatização do processo judicial e considera meio eletrônico qualquer forma de armazenamento ou tráfego de documentos e arquivos digitais (art. 1º, §2º, I).

As alterações introduzidas pela Lei de Informatizaçao do Processo Judicial já tiveram aplicação prática, com a instituição efetiva do processo eletrônico no Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça, na Justiça Federal, em Varas e Juizados Especiais de Tribunais de Justiça de diversos estados federados, nos quais os atos e peças processuais são validados, ante a inexistência de autos físicos, por assinatura digital.

Essa mesma lei que possibilitou a criação do processo eletrônico e que dispôs sobre a validade das cópias digitalizadas de documentos, e que vem sendo invocada pelos tribunais pátrios para viabilizar o processo de execução instruída com cópia digitalizada do título executivo – ao menos dos não cambiais, por não terem circulação – inseriu o inciso V do art. 365, que considera que fazem a mesma prova dos originais os extratos digitais de bancos de dados, públicos e privados, desde que atestado pelo seu emitente, sob as penas da lei, que as informações conferem com o que consta na origem.

Não restam dúvidas, portanto, que não só não há óbice legal à instrução da execução com o extrato digital do banco de dados privado, como há inequívoca e expressa previsão na lei processual a sustentar a possibilidade de um contrato eletrônico, desde que assinado pelo devedor e por duas testemunhas, ser considerado título executivo apto a embasar uma demanda executiva.

Robustecem essa idéia as disposições do Código Civil atinentes aos títulos de créditos, ao utilizar as expressões documento e escrito (arts. 887 e 888), sem restringir sua compreensão a papel.

Além disso, o próprio Código esclarece, em seu art. 889, §3º, que o título poderá ser emitido a partir de caracteres criados em computador.

A Medida Provisória 2.200-2/2001, que instituiu a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, cuidou de garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica, das aplicações de suporte e das aplicações habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a realização de transações eletrônicas seguras.

Nessa linha, os documentos eletrônicos que obedeçam aos critérios de segurança estabelecidos na MP 2.200-2/2001 são considerados documentos particulares, razão pela qual constituem, potencialmente, títulos executivos extrajudiciais.

Basta, como já dito, que venha assinado pelo devedor e por duas testemunhas. Nesse aspecto, é de se imaginar que a cópia física do documento eletrônico não conterá nenhuma assinatura, tal como ordinariamente é conhecida.

A assinatura do documento eletrônico se dará, também, por meio eletrônico. A sua conferência, do mesmo modo, será possível somente através do computador.

Atualmente, reputa-se válida a assinatura eletrônica consistente em assinatura digital baseada em certificado digital emitido por Autoridade Certificadora credenciada pelo ICP-Brasil, na forma do que estabelece a MP 2.200-2/2001. É o que, aliás, expressamente estabelece a Lei de Informatização do Processo Judicial em seu artigo 1º, §2º, III, a.

O certificado digital equivale a uma carteira de identidade, contendo todos os dados do seu titular, e confere a mesma validade jurídica ao documento eletrônico daquele em papel assinado de próprio punho.

Frise-se que a única maneira reconhecidamente segura, no atual estágio tecnológico, para assinar documentos eletrônicos e mantê-los inalterados é por meio de processos criptográficos de chave pública. O sistema se vale de duas chaves, uma pública e outra privada.

O aceitante, usando a sua chave privada, assina o documento eletrônico, enviando-o ao proponente. Nesse momento, é possível reputar-se formado o contrato, eis que se completa a manifestação de vontade no meio eletrônico, garantindo-se a autenticidade do documento e a identificação do emitente da vontade.

É esse o critério adotado na Lei 11.419/06, consoante se extrai da norma do artigo 3º.

De todo modo, estando assinado digitalmente, com sistema criptográfico que permita a verificação da autenticidade do conteúdo e a identificação da autoria do assinante, é possível comprovar a contratação. Esse documento, ainda que não se preste a configurar título executivo, seria suficiente, em tese, para instruir eventual ação monitória, razão pela qual a obtenção do crédito, embora de maneira não tão eficaz, não restaria inviabilizada.

Como visto, embora haja robusto substrato jurídico e legal para a admissão de uma ação executiva instruída com um documento eletrônico, o desconhecimento ou a falta de familiaridade com a matéria por grande parte dos magistrados configuram, ao menos até o atual momento, sérios obstáculos ao seu reconhecimento como título executivo extrajudicial. 

Por isso, não se espera que, na atualidade, a maioria deles se posicione na vanguarda e admita, sem o específico respaldo legislativo, o documento eletrônico como título executivo. Estariam aptos a fazê-lo somente aqueles que dominem minimamente a linguagem e as ferramentas eletrônicas ao ponto de se sentirem suficientemente seguros para quebrar esse tabu.

Num futuro não distante, popularizando-se os conceitos do meio eletrônico, e permitindo-se aos cidadãos comuns amplo acesso e conhecimento das ferramentas e da linguagem peculiar, esses impasses certamente serão removidos, cedendo espaço para mais este facilitador das negociações.


Fonte: Portal Ferreira e Chagas Advogados
http://www.ferreiraechagas.com.br/ 

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