ASSEMBLÉIAS ONLINE
POR LUCIA REBOUÇAS
Os brasileiros em geral são reticentes em participar de assembleias. Até mesmo as de condomínios, nas quais todos têm direitos iguais de voto e as decisões finais têm de ser tomadas por poucos, pela falta de interesse da maioria. Para as reuniões de empresas a resistência é maior, pois há iniciativas burocráticas a tomar - e que custam dinheiro -, como a contratação de advogados para preparar procurações. Além do que algumas delas exigem viagem e hospedagem, já que, por lei, a assembleia se realiza na cidade onde a empresa emissora de ações tem sede... e, em troca, o acionista minoritário já chegará sabendo que seu voto tem valor relativo.
A assembleia eletrônica foi criada para tentar afastar esses inconvenientes e simplificar a vida de acionistas e de cotistas de fundos de investimento que desejam participar das decisões das companhias nas quais investem seu dinheiro, sem abrir mão do conforto de casa. Apesar de ser chamada de assembleia eletrônica, é, na verdade, um sistema pelo qual as companhias com ações negociadas em Bolsa oferecem a seus acionistas a possibilidade de votar por procuração pela internet.
Ainda não é possível saber se aumentarão o quórum das reuniões no Brasil, pois, por enquanto, menos de 20 das 465 companhias listadas na BM&F Bovespa oferecem essa facilidade. O número ainda reduzido de participantes não preocupa, porque o novo processo está em linha com o crescimento do mercado de capitais, que exige mudanças culturais. A ferramenta tem o apoio de órgãos reguladores do mercado, como a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), e o aumento da adesão é considerado uma questão de tempo.
Isso porque no mercado de capitais a situação agora é outra e exige novas posturas. As companhias estão passando por uma desconcentração das antigas estruturas de poder, o que exige maior participação dos acionistas. Além disso, entre os novos acionistas há um número crescente de grandes fundos de investimento internacionais, que têm forte tradição participativa. Nesse cenário, a assembleia eletrônica ajuda a viabilizar a nova demanda por participação.
Para os acionistas minoritários, a ferramenta afasta o maior empecilho de ir a uma assembleia, o custo da participação. Com o voto por procuração eletrônica, o acionista não precisa gastar tempo e dinheiro para se deslocar até o local da assembleia, muitas vezes em outras cidades ou até em outro país, ou mesmo com a burocracia para contratar representantes para votar em seu nome, o que o afastava das decisões das companhias, mesmo aqueles minoritários já compenetrados da importância em fazê-lo.
Poder votar pela internet mudou a decisão de Eduardo Moraes, sócio da Claritas Administração de Recursos. Segundo ele, se não fosse por isso, ele não teria participado da Assembleia Geral Ordinária (AGO) da Petrobras, realizada no dia 8 de abril na sede da companhia, no centro do Rio de Janeiro. “A pequena fatia dos fundos administrados pela Claritas no capital da estatal não justificaria todo o trabalho e, principalmente, o custo de participar da reunião”, conta. Moraes diz que o fator custo costuma ser decisivo na decisão de participar de uma assembleia, pois isso envolve gastos com a contratação de advogados para preparar as procurações, além de viagens e hospedagens.
No total, 15 investidores da Petrobras se cadastraram para a votação eletrônica. O universo de acionistas da empresa em fevereiro de 2010 (último dado disponível) era de aproximadamente 472 mil, dos quais 150 mil estrangeiros vinculados ao programa de ADR negociado nas Bolsas de Buenos Aires e de Nova York. Apesar disso, o volume de adesões foi positivo, na opinião de Denys Roman, diretor-executivo do site Assembleias Online, subsidiária da MZ Consult, uma das empresas que oferecem o processo de votação. “Houve mudança no perfil dos participantes. Tivemos até um acionista de Parintins, no Amazonas, que se cadastrou para votar pela internet”, exemplifica. A assembleia contou com a participação presencial de 50 acionistas, sendo 40 pessoas físicas.
Além da Petrobras, outras 13 companhias realizaram assembleias eletrônicas neste ano (veja o quadro “Quem aderiu”). A pioneira em oferecer a votação eletrônica foi a Bematech, em março de 2009.
Custo mínimo
A despesa para um acionista participar de uma assembleia eletrônica é considerada mínima: é com documentação, como a certificação eletrônica. Os maiores custos são absorvidos pela companhia que oferece o serviço. “Na assembleia tradicional, o acionista precisava avaliar a relevância da matéria para exercer o direito de voto, porque isso implicava custos. Na assembleia eletrônica o custo da plataforma e da documentação é irrelevante. Considero a assembleia eletrônica como se não tivesse custo. Com a votação eletrônica vale a pena votar sempre”, afirma Moraes. O custo para uma companhia oferecer o serviço de votação eletrônica para seus acionistas gira em torno de R$ 25 mil por ano, conforme Roman.
Com acionistas em todos os estados brasileiros, mais da metade fora do Estado de São Paulo, a Eternit aderiu ao sistema no início deste ano, quando comemorou seu 70º aniversário. A empresa tem mais de seis mil acionistas, 60% deles pessoas físicas, e seu capital é totalmente pulverizado. Sua primeira assembleia eletrônica foi realizada em abril. A participação de acionistas pela web não chegou a 1%, de acordo com Rodrigo Luz, diretor de relações com investidores da companhia, mas isso não desanimou a direção da empresa. “É uma situação nova que exige um trabalho longo, um trabalho de formiguinha”, diz Luz, ao anunciar que a próxima Assembleia Geral Ordinária (AGO) com votação eletrônica já está marcada para abril de 2011. “Ainda neste ano, se tivermos de realizar Assembleias Gerais Extraordinárias (AGE), elas terão participação eletrônica”, garante.
A possibilidade de votar eletronicamente é viável desde 2008, quando a CVM esclareceu que a legislação não impedia sua adoção. Mas só em janeiro deste ano, quando entrou em vigor a Instrução 481, foi que a autarquia passou a estimular oficialmente o uso da ferramenta. Entre outras coisas, a instrução dispensa a companhia de reembolsar os custos que um acionista venha a ter para conseguir procurações para votar numa assembleia. Por exemplo: um minoritário quer votar contra uma proposta de fusão da companhia. Para aumentar seu poder de decisão busca o voto por procuração de outros minoritários que concordem com ele. Depois pede para a empresa o reembolso dos gastos que teve para fazer isso. Se a companhia oferece voto eletrônico, não é obrigada a reembolsar o acionista.
Para as companhias, entre as vantagens para aderir à nova tecnologia estão motivos de ordem administrativa, como mostrar boas práticas de governança corporativa, até imediatamente econômicos, como reduzir custos de uma segunda convocação. No caso da Eternit, por exemplo, que não tem controlador nem acordo de acionistas, garantir em primeira convocação o quórum mínimo exigido por lei na votação de determinada pauta não é nada fácil. Para estimular a adesão eletrônica, a companhia patrocinará os primeiros mil acionistas que solicitarem a emissão do certificado digital neste ano, independentemente de onde estiverem no Brasil. Com isso, espera, entre outras coisas, eliminar a necessidade de segunda convocação.
José Luiz Bichuetti, coordenador da comissão de boas práticas em reuniões e assembleias do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), acredita que o aumento de participação dos acionistas nas decisões das companhias é uma evolução natural. “Boas práticas de governança dão maior transparência para a companhia.” No cotidiano, isso se traduz por aumentar a visibilidade no mercado, fazendo subir a atratividade entre os investidores, valorizando suas ações e reduzindo o custo de captação de recursos. O IBGC inclui o tema no seu manual sobre assembleias.
Renato Chaves, coordenador da comissão de cartas diretrizes do IBGC, afirma que o voto eletrônico é um incentivo da companhia à participação dos investidores e dá maior legitimidade às decisões. “A assembleia eletrônica facilita a participação dos investidores estrangeiros, para os quais a votação tinha muito custo e muita burocracia.” Na opinião dele, a votação eletrônica abre caminho para o aperfeiçoamento do processo, com a criação, por exemplo, de chats, nos quais os investidores fariam perguntas sobre os temas em pauta na assembleia antes de votar. “Essa seria mais uma ferramenta de incentivo à participação. A regulamentação atual deixa a janela aberta para que se aperfeiçoe o processo.”
Presença física
O processo atual de assembleia eletrônica é um avanço, mas ainda falta muito para realizar uma assembleia verdadeiramente on-line, sem a presença física de pessoas, na opinião de Edson Garcia, superintendente da Associação dos Investidores do Mercado de Capitais (Amec). “Gostaríamos que tivesse um sistema que abolisse a procuração e a presença de alguém lá. O que existe atualmente é um avanço, mas ainda não é o melhor dos mundos. Hong Kong já tem um sistema eletrônico sem a presença física. Para ser assim aqui, precisa mudar a lei”, diz.
Um dos principais problemas para se criar uma assembleia totalmente on-line é o investidor estrangeiro, cuja presença criaria o problema do idioma. Imagine os problemas de compreensão das matérias a serem votadas, sem falar da computação dos votos. É um desafio para a tecnologia. Mas não é só isso. Há também o problema da veracidade. Como saber se quem está votando é de fato o acionista?
Moraes, da Claritas, acredita que poderiam ser feitos aperfeiçoamentos, sem ir tão longe. No sistema atual, o acionista fica limitado a votar apenas nos itens propostos pela companhia e não pode interferir na dinâmica da reunião. “Se queremos, por exemplo, indicar um membro do conselho fiscal ou um representante dos minoritários, o ideal ainda é estarmos presentes na assembleia”, diz Moraes.
Em função de matérias envolvendo a eleição de membros dos conselhos, entre outros, a Previ, fundo de pensão do Banco do Brasil, um dos maiores investidores institucionais locais - com participação em algumas das principais empresas do País, como a Oi e a Petrobras, que já adotam a plataforma de procuração eletrônica -, prefere enviar seus próprios procuradores às assembleias. Para a direção do fundo, porém, o processo é um avanço para proporcionar redução de custos e outras vantagens tanto para a companhia como para seus acionistas.
Fonte: Assembléias Online
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Agradecemos sua participação.